A tragédia no Mediterrâneo impõe uma resposta humanitária à altura das circunstâncias e um combate firme contra o tráfico de seres humanos. Mas não será possível enfrentar as causas deste drama sem reforçar a cooperação para a estabilização e desenvolvimento dos países que estão na origem destes fluxos migratórios desesperados.

Lamentavelmente, a resposta inicial das instituições europeias às imagens dramáticas captadas no Mediterrâneo, com embarcações apinhadas de gente e muitos a encontrarem a morte, surgiu num tom mais securitário do que humanitário. Apesar da promessa de mais meios de salvamento, a primeira mensagem traduziu, no essencial, o triunfo da "linha dura": intransigência na gestão das fronteiras; devolução à procedência dos "imigrantes ilegais" e operações militares para destruição dos navios utilizados no negócio do transporte de refugiados.

Aos poucos, porém, a Comissão Europeia tem evoluído para um registo mais equilibrado. É notório, desde logo, o reforço da componente humanitária, com uma maior alocação de recursos às operações de salvamento e, sobretudo, com a proposta de um sistema de quotas mínimas para o acolhimento de refugiados, apoiado pela alocação de 50 milhões de euros de financiamento comunitário. A intenção é garantir um nível mínimo de solidariedade e partilha de responsabilidades entre os Estados-membros. Todavia, mais uma vez se provou que a solidariedade não é o forte desta Europa em crise de valores: apesar do sistema estar pensado para beneficiar apenas 20 mil requerentes de asilo (um número muito insuficiente face às necessidades), alguns países, com o Reino Unido à cabeça, apressaram-se a manifestar o seu desagrado com a ideia... Em segundo lugar, a Comissão apresentou esta semana uma nova Agenda Europeia para as Migrações, em que os pilares da gestão de fronteiras e do combate à imigração irregular surgem acompanhados de outros dois pilares: uma política comum de asilo e uma política para a imigração legal, onde se incluem as condições de entrada de estrangeiros, a integração dos imigrantes e a cooperação com os países de origem dos fluxos migratórios.

É justamente neste último ponto, o da cooperação com os países de origem, porventura o menos mediático de todos, que se joga o mais importante: o ataque às causas profundas destes fluxos migratórios. Essas causas são, essencialmente, duas: por um lado, a instabilidade que se vive no Médio Oriente e numa vasta região do continente africano, onde proliferam os conflitos e os Estados falhados, forçando comunidades inteiras a uma dramática travessia do deserto e do Mediterrâneo em busca de segurança e salvação; por outro, o quadro insuportável de miséria extrema em vários países da região, abaixo das condições mínimas de dignidade e sobrevivência, sem um qualquer horizonte de esperança que constitua uma verdadeira alternativa aos enormes riscos de uma migração desesperada.

A cooperação para a segurança e para o desenvolvimento é tão urgente como as respostas de emergência. Mas exige prioridades claras, programas adequados e meios suficientes. Ora, é aqui que a resposta à tragédia do Mediterrâneo se liga com as decisões que se esperam da Terceira Conferência Internacional sobre o Financiamento do Desenvolvimento, que terá lugar em Adis Abeba, na Etiópia, já no próximo mês de Julho. O que está em causa é saber se a comunidade internacional é capaz de mobilizar os recursos necessários para financiar, no período de 15 anos pós-2015, a prossecução dos objectivos globais de desenvolvimento sustentável (resultantes da revisão dos chamados Objectivos do Milénio), a começar pelo combate à pobreza.

O relatório que apresentei no Parlamento Europeu sobre Financiamento do Desenvolvimento, e que foi esta semana aprovado por uma larga maioria (85% dos votos), é um contributo para a posição que a União Europeia deve tomar nessa Conferência decisiva de Adis Abeba. O que o Parlamento Europeu decidiu foi dirigir à Comissão Europeia, ao Conselho e aos Estados-membros uma mensagem política forte e clara: é urgente que a União Europeia não só reconfirme o seu compromisso, nunca cumprido, de afectar 0,7% do Rendimento Nacional Bruto à ajuda pública ao desenvolvimento (anda agora pelos 0,4%) mas também que apresente um calendário credível que, tendo em conta as limitações orçamentais, garanta o cumprimento dessa meta pelo menos até 2020.

Perante a dimensão dos desafios globais e com tantos e tão intoleráveis atentados à dignidade da pessoa humana, a decisão que for tomada mostrará se a União Europeia permanece à altura dos seus valores e das suas responsabilidades. E revelará também até que ponto são para levar a sério os eloquentes discursos dos líderes europeus sobre a necessidade de atacar as causas da tragédia no Mediterrâneo.

 

Artigo publicado no Diário Económico