“A Grécia está à beira do incumprimento e, se isso acontecer, Portugal vai a seguir e terá de formular um segundo pedido de ajuda externa”: foi esta a desastrada mensagem que o primeiro-ministro resolveu transmitir ao País, à Europa e ao Mundo na sua primeira entrevista televisiva.

Não havia necessidade. E o pior é que não bate certo: entre a anunciada estratégia do Governo de demarcação da Grécia e esta inusitada colagem de Portugal ao futuro da Grécia há uma manifesta contradição, que é absolutamente insanável.

As consequências deste erro de palmatória não se fizeram esperar: logo no dia seguinte os mercados fizeram Portugal pagar juros ainda mais altos na emissão de dívida pública e a imprensa internacional deu o destaque que era previsível à "gaffe" do primeiro-ministro. Resultado: a mensagem de Passos Coelho só serviu para reforçar a indesejada associação entre Portugal e a Grécia.

Convém recordar que o primeiro-ministro não é um simples comentador que possa entregar-se à apaixonante tarefa de especular sobre cenários, sem medir as consequências do que diz. Independentemente da razoabilidade do cenário ou da falta de enquadramento dos efeitos de um incumprimento grego no conjunto da zona euro, o que conta é que o primeiro-ministro foi à televisão admitir, e portanto colocar na agenda, o cenário de um segundo pedido de ajuda externa para Portugal. A ideia é surpreendente: como devia ser óbvio, espera-se de Portugal que dê sinais de confiança na execução do seu programa de assistência financeira e não que especule sobre a necessidade de um novo pedido de ajuda, seja lá em que hipótese for.

Importa notar, todavia, que subjacente ao raciocínio do primeiro-ministro está uma certa aplicação da teoria do "efeito dominó" e com ela vai o reconhecimento da natureza internacional e sistémica da crise. O que o primeiro-ministro está a dizer é que no actual contexto internacional, com a crise das dívidas soberanas na zona euro e nos chamados países periféricos, por muito que façamos, por muito acertadas e austeras que sejam as medidas, o Governo não pode garantir resultados e menos ainda pode assegurar uma "recompensa" justa e racional dos mercados para o esforço dos portugueses.

Chega-se, assim, ao paradoxo total: a natureza sistémica da crise serve para explicar, até por antecipação, um eventual segundo pedido de ajuda externa mas já não serve para explicar o primeiro! Esta tese, é claro, parece demasiado conveniente para ser verdade. E é.

Impressiona como bastou a mudança de Governo para alterar tão radicalmente a compreensão de tanta gente sobre a natureza da crise que enfrentamos. Tão súbita conversão parece milagre e faz por isso lembrar o célebre episódio bíblico da conversão de S.Paulo. Também ele, de repente, viu a luz.

A história, narrada nos Actos dos Apóstolos, resume-se assim: S. Paulo, então ainda simplesmente Paulo, feroz perseguidor dos fiéis, seguia pela estrada de Damasco quando se viu subitamente envolvido por uma intensa luz vinda do céu, a qual, ao que está escrito, o terá feito "cair por terra". O pobre Paulo, em estado de choque - como se tivesse levado, digamos assim, um murro no estômago - terá estado ainda três dias sem ver e só depois compreendeu o que tinha acontecido: converteu-se e recuperou a visão. Muitos, subitamente convertidos à dura realidade desta crise sistémica, parecem ter passado por uma experiência semelhante.

Durante anos, empenharam-se em negar ferozmente, em acesas batalhas políticas, a relevância decisiva da crise internacional para explicar as dificuldades excepcionais que o País enfrenta. Agora, de repente, viram a luz, compreenderam tudo e passaram da cegueira à lucidez. Entretanto, como na história de Paulo, caíram por terra.

 


Artigo publicado no Diário Económico