O chamado “Windsor Framework”, ou seja, o acordo anunciado esta semana pelo Primeiro-Ministro britânico, Rishi Sunak, e pela Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, sobre o Protocolo da Irlanda do Norte, é uma boa oportunidade para um decisivo virar de página nas relações entre o Reino Unido e a União Europeia, muito tensas desde o Brexit.

Os últimos anos não foram bons para o Reino Unido. Desde o referendo do Brexit, há já quase sete anos, e, sobretudo, desde o divórcio com a União Europeia, consumado há três anos, o Reino Unido mergulhou numa agitação política permanente, com nada menos de 5 primeiros-ministros (David Cameron, Theresa May, Boris Johnson, Liz Truss e Rishi Sunak), a que se somou um mau desempenho da economia. Consequentemente, o descontentamento generalizou-se, o Partido Conservador viu-se ultrapassado nas sondagens e a desilusão com os resultados do Brexit disparou. Perante este quadro dramático, Rishi Sunak parece ter percebido que o Reino Unido tem de mudar de rumo e não ganha nada em manter um confronto estéril com a União Europeia, apenas para gáudio dos radicais da sua plateia parlamentar. Pelo contrário, é do interesse do Reino Unido normalizar as relações com o seu maior parceiro comercial e abrir caminho para aprofundar as relações comerciais com os Estados Unidos da América, igualmente bloqueadas pela questão da Irlanda do Norte.

Como relator do Parlamento Europeu para a implementação do acordo do Brexit, não tenho dúvidas em afirmar que estes primeiros três anos de vigência do acordo foram marcados pelo reiterado incumprimento pelo Reino Unido das obrigações que assumiu no Acordo de Saída, em especial o dever de realizar no Mar da Irlanda, entre a Grã-Bretanha e a Irlanda do Norte, os controlos fronteiriços necessários à verificação do respeito pelas regras europeias, controlos esses que, por força do Acordo de Sexta-Feira Santa, não podem ser feitos na fronteira externa da União, visto que é a que separa as duas Irlandas. Esse incumprimento deu lugar a diversos litígios, mas também a pacientes negociações em que a União Europeia se esforçou sempre por encontrar, na medida do possível, soluções para uma aplicação flexível do Protocolo.

No essencial, o chamado “Windsor Framework”, agora anunciado, flexibiliza a implementação do Protocolo, que permanece em vigor, sem fazer perigar os seus objetivos. Assim, mantém-se a realização no Mar da Irlanda dos controlos fronteiriços necessários, incluindo sanitários e fitossanitários, relativamente a todos os bens destinados ao mercado europeu ou em relação aos quais existam fundadas suspeitas de ilegalidade ou fraude. Por outro lado, clarifica-se que ficam dispensados desses controlos, como aliás sempre foi pretendido pelo Protocolo, os bens oriundos da Grã-Bretanha com destino à própria Irlanda do Norte e, portanto, que não apresentam risco de entrar no Mercado Único. Além disso, é garantida a troca de informações aduaneiras em tempo real, desde sempre prevista, mas nunca operacionalizada. Finalmente, são previstas soluções para as regras em matéria de IVA e ajudas de Estado a aplicar na Irlanda do Norte, desde que não introduzam distorções da concorrência.

Paralelamente, para desbloquear o impasse na “partilha de poder” na Irlanda do Norte que está a bloquear as instituições políticas, ficou consagrado um mecanismo, o chamado “Stormont Brake”, que permite a um determinado número de membros da assembleia legislativa da Irlanda do Norte desencadear, em situações excecionais, um processo de suspensão da entrada em vigor de novas regras europeias que tenham um impacto significativo para as comunidades locais.

Em suma, este acordo tem todas as condições para conduzir, finalmente, a uma aplicação eficaz, mas flexível, do Protocolo da Irlanda do Norte, a bem do interesse de todas as partes e do respeito pelo Acordo de Sexta-Feira Santa. Será um virar de página se o Primeiro-Ministro britânico tiver força política para a virar.

Artigo publicado no Jornal Público de 04/03/2023