O Parlamento pede à Comissão Europeia que proponha "um pacote massivo de recuperação e reconstrução" da economia, que, entre outras medidas, passa pela emissão de dívida com garantias europeias, ou seja pela criação dos "recovery bonds".

No dia em que o texto político vai a votos em Bruxelas - na antecâmara da cimeira de crise da próxima semana -, a TSF falou com o vice-presidente do Parlamento Europeu, o eurodeputado Pedro Silva Pereira, que apela a uma maior solidariedade entre os Estados, perante uma crise sem paralelo, em toda a história da integração europeia.

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No debate da resolução que vai ser votada nesta sexta-feira, defendeu um grande plano de recuperação para a economia europeia. Em que é que deve assentar esse plano?

Nós enfrentamos uma situação sem precedentes. Será preciso regressar à velha grande recessão dos anos 30 para termos uma situação semelhante nas nossas economias. Nunca tivemos um quadro de paralisação simultânea de todas as outras economias, não apenas europeias mas, aliás, do mundo. Isto só pode ter uma consequência brutal, para as empresas, para os empregos e para as contas públicas também. E, portanto, precisamos de dar uma resposta à altura das circunstâncias. Essa resposta deve ser um plano de recuperação da economia, com os recursos financeiros necessários e de acordo com a resolução que propusemos no Parlamento Europeu e que é apoiada por quatro grandes grupos políticos. Este deve ser financiado por um quadro financeiro plurianual reforçado, e não de cortes, que era aquilo que estava anteriormente proposto, e também por instrumentos financeiros inovadores, os quais recorrem aos títulos de dívida pública, emitidos pela própria Comissão Europeia, para alavancar o financiamento dos investimentos.

Tem expectativa num entendimento no Conselho para haver um reforço do orçamento?

O caminho faz se andando, e água mole em pedra dura tanto bate até que fura. A verdade é que nós temos hoje não apenas uma larga maioria de Estados a favor de uma solução forte e solidária de resposta à crise. Temos também a Comissão Europeia a aderir à ideia de apresentar um quadro financeiro muito mais ambicioso e totalmente diferente do que inicialmente estava pensado. Sabemos - porque há comissários que já o disseram -, que estão eles próprios a trabalhar também num instrumento de mutualização da dívida - de emissão da dívida pela própria Comissão Europeia -, para ir aos mercados financeiros a juros baixos buscar o dinheiro, para ajudar a alavancar este investimento. Já que temos hoje mais apoios para isso, some-se-lhe o pronunciamento claro do Parlamento Europeu a favor dessa solução, e eu penso que estamos mais perto do que estávamos, há uns dias atrás, de uma solução positiva. Oxalá o conselho dê ouvidos ao Parlamento Europeu e possa fazer caminho na direção certa.

Ou seja, durante o debate - à parte dos elogios ao altruísmo português, a presidente da Comissão Europeia defendeu um plano de investimentos maciços para impulsionar as economias. Falou de um Plano Marshall. É esta a ideia que vai ao encontro daquilo que defendeu no Parlamento Europeu?

Corresponde à ideia que o Partido Socialista - e eu próprio - defendemos no Parlamento. É o que encontra eco também na resolução que apresentámos e que, espero, terá uma votação muito expressiva e seja aprovada no Parlamento Europeu. Esse plano Marshall é aquilo que nós precisamos também para evitar uma nova crise das dívidas soberanas, porque se todos os encargos ficam as costas das dívidas emitidas pelos Estados - que inevitavelmente vão subir, porque as receitas baixam e as despesas aumentam -, sabemos que isso significa aumento do défice e da dívida pública. Se não existe um esforço solidário europeu partilhado, que permita encontrar soluções criativas de financiamento que dispensem os Estados de agravar a situação junto dos mercados, então nós corremos o risco de vir a ter uma nova crise das dívidas soberanas. É isso que precisamos de evitar. Porque agora nós já sabemos que estamos a dizer muito que as regras orçamentais estão suspensas e portanto podem estar à vontade. Bom, podem gastar à vontade até ao dia em que os mercados olharem para a situação orçamental dos países, virem dívidas enormes, economias em dificuldades, e depois o nervosismo dos mercados instala-se, as agências de rating respondem baixando os ratings dos países, os juros disparam, e estamos devolvidos a uma situação que bem conhecemos e é preciso evitar. E só pode ser evitada por uma resposta solidária da União Europeia. É isso que precisamos e esperamos da Comissão Europeia no quadro financeiro plurianual e no Conselho para um plano de recuperação da economia.

No debate, o deputado liberal Guy Verhofstadt criticou muito a demora da Comissão Europeia para dar uma resposta à crise. Do seu ponto de vista, esta crítica deve ser apontada a outros responsáveis?

Há, certamente, outros responsáveis. Na minha intervenção, foquei-me, sobretudo, naquela minoria de países que no Conselho - e depois, por arrasto, também no Eurogrupo - dificultam e obstaculizam as soluções mais solidárias. Mas é verdade que a Comissão Europeia tem aqui uma responsabilidade que é a de apresentar uma nova proposta de Quadro Financeiro Plurianual que não seja uma proposta de cortes. Eu compreendo que a Comissão Europeia tem que procurar uma solução que seja viável no Conselho. Isto é, não se trata apenas de pôr um papel em cima da mesa, que não tenha nenhuma viabilidade. E, portanto, a Comissão estará a fazer as suas contas, também políticas, quanto aos limites até onde pode ir. Mas, de facto, a Comissão Europeia tem aqui um papel que é o de apresentar o quadro financeiro. E eu tenho esperança de que o faça com a solução mais ambiciosa e que vá ao encontro das posições que são as do Parlamento Europeu, que é colegislador também nessa matéria.

 

Entrevistado por João Francisco Guerreiro, correspondente da TSF em Bruxelas, a 16 de Abril de 2020.