Qual o grau de unidade que tem sentido no Parlamento Europeu face a esta questão do ataque da Rússia à Ucrânia?
O Parlamento Europeu (PE) tem vivido um ambiente de rara unidade política em torno da condenação da agressão militar russa contra a Ucrânia e também de apoio às medidas de solidariedade com a Ucrânia e com os ucranianos. Votamos resoluções bastantes fortes que, do ponto de vista político, reuniram uma esmagadora maioria. E a unidade política no PE acompanha aquela que tem sido a resposta das outras instituições europeias. A UE tem estado firme e unida a dar resposta a esta crise.

Mas já verificamos algumas divisões que, podendo não ser muito expressivas, existem. Essas divisões resultam de famílias políticas ou de lógicas nacionais?
É natural que a UE tenha de encontrar o registo certo na resposta a este desafio e na seleção das medidas adequadas no momento presente. Na escolha dessas medidas é natural que as sensibilidades nacionais contem mais do que as sensibilidades político-partidárias. E isto até porque varia a situação de exposição das diferentes economias à sua dependência em relação à Rússia. Isso torna compreensível que haja sensibilidades diferentes. Mas essas sensibilidades não impediram a convergência no essencial. A própria Alemanha, que é apontada, a justo título, como particularmente dependente da Rússia no plano energético, tomou logo a dianteira ao suspender o projeto Nord Stream 2 [novo gasoduto, ainda não operacional, que liga a Rússia à Alemanha através do Mar Báltico] e isso marcou o tom. Mesmo apesar das divergências e dos diferentes interesses económicos, a UE adotou um pacote de sanções sem precedentes, que não deixará de provocar um desgaste na economia russa. É verdade que não tem o efeito mágico de travar os ímpetos expansionistas e imperialistas do Presidente Putin mas estou convencido de que não deixará de produzir os seus efeitos.

Em Portugal, estamos preocupados com várias questões, nomeadamente com os preços dos combustíveis, que estão a aumentar bastante. Como é que a UE, e o Parlamento Europeu em particular, podem intervir, no curto prazo, para, por exemplo, os estados-membros poderem mexer a sério na fiscalidade dos combustíveis de modo a controlar os aumentos.
Sem dúvida que um dos impactos mais evidentes desta crise, e também das próprias medidas que a UE tem vindo a tomar contra a Rússia, é o impacto sobre os preços dos combustíveis, com todo o efeito de arrastamento na inflação e atingindo vários setores da economia. A resposta necessária é uma resposta a vários níveis. O primeiro-ministro registou, na cimeira de Versalles, o facto de a Comissão Europeia estar agora a ponderar o pedido de Portugal para que possa ser possível uma intervenção sobre o IVA de maneira a reduzir o peso dos impostos nos preços finais da energia.

Mas isso na UE pode ser feito com a rapidez necessária?
A rapidez tem existido. O que não pode haver é ilusões sobre a situação que temos pela frente. O impacto económico da situação criada com a agressão russa à Ucrânia será muito significativo e duradouro. Não podemos pensar que as medidas que estamos a tomar são medidas indolores para a economia europeia. Não são nem podem ser mas isso não as torna menos necessárias. O que a UE não pode é ficar de braços cruzados enquanto o sr. Putin invade um país, nega-lhe o direito de existir, bombardeia alvos civis. Isso é intolerável e não pode deixar de ter resposta mesmo que essa resposta tenha consequências económicas negativas, como não pode deixar de ser.

O Banco Central Europeu (BCE) tem de reformular calendários e voltar a estender no tempo o seu programa de compra de dívida?
O BCE tem como objetivo principal o controlo da inflação mas as suas medidas de política monetária devem tornar-se mais restritivas se isso ajudar a alcançar as metas de médio prazo da inflação. Quando os fatores que determinam a subida dos preços não dependem essencialmente da conjuntura económica - fatores absolutamente extraordinários como são os que temos em presença -, então o BCE tem de ponderar muito bem as medidas que toma porque elas podem ter um efeito contraproducente. Isto é, um efeito de não conseguirem conter a subidas dos preços - porque isso é determinado por circunstâncias absolutamente excecionais - e penalizarem a recuperação da economia.

Em relação aos programas de compra de dívida pública: terão de se prolongar mais do que se estava à espera?
Os instrumentos de política monetária são a questão das taxas de juro e aí o BCE sinalizou recentemente que poderia prolongar por mais tempo do que o esperado as taxas de juro, podendo não se materializar o aumento que se esperava mais para o fim do ano. Quanto à compra de dívida, a que se ao abrigo do programa corrente, para já o que foi anunciado foi uma redução do ritmo das compras. Do meu ponto de vista, essa redução envolve perigos que o BCE precisa de avaliar. Receio bem que esta redução do volume da compra de dívidas deva ser uma medida a reavaliar, porque as economias europeias vão entrar num processo algo declinante - isso é inevitável - em função dos constrangimentos que se verificam na economia internacional por causa da guerra.

A Alemanha deixou bem claro que não está preparada para diminuir importações energéticas da Rússia. Isso não é um poderoso obstáculo para que existam sanções eficazes da UE à Rússia no campo energético?
Não creio que a Alemanha tenha dito isso nesses termos. A UE tem uma estratégia no sentido de reduzir a sua dependência energética face à Rússia, sendo que no gás o objetivo é reduzir em dois terços até ao final do ano - e a Alemanha dará também o seu contributo. O que a Alemanha não está em condições de fazer é de estabelecer um bloqueio às importações de energia da Rússia com efeitos imediatos. Não tenho dúvidas de que a vontade política da Alemanha, o que aliás demonstrou com o Nord Stream 2, é o de acompanhar este esforço da UE no sentido de reduzir a sua dependência energética em relação à Rússia.

A Alemanha também excluiu a hipótese de entregar aviões de combate à Ucrânia. O apoio militar à Ucrânia é algo que no seu entender possa ser alvo de políticas comunitárias ou, neste caso, terão de ser os estados-membros a decidir, cada um por si, como podem ajudar ou não?
Neste momento já temos medidas de política comunitárias, aliás sem precedentes, de apoio militar a um país em guerra, como é a Ucrânia. O apoio financeiro era inicialmente da ordem dos 500 milhões de euros mas agora o Alto Representante para a Política Externa, Josep Borrell, propôs a duplicação desse valor. Não tenho dúvidas de que a UE irá reforçar esse apoio. A UE precisa de o fazer, e os EUA e a NATO, com a cautela suficiente para não se tornarem beligerantes neste conflito, podendo abrir as portas para uma III Guerra Mundial, que teria agora a natureza de uma guerra nuclear. Por isso, os EUA e outros parceiros da NATO mostraram relutância a uma solução desse tipo, que seria o envio de aviões militares disponibilizados pela Polónia, porque isso poderia ter essa consequência. Temos de ser solidários com a Ucrânia mas com a responsabilidade de não provocar uma situação muito mais trágica que seria uma guerra mundial de natureza nuclear.

 

A Cimeira de Versalles determinou um aumento "substancial" das despesas de Defesa dos estados-membros. No seu entender, os eleitorados estão preparados para isso? Terão de ser aprovados programas comunitários de cofinanciamento dessas novas despesas. Vai ser preciso um PRR militar?
A situação criada tem como consequência incontornável a necessidade de a UE e os estados-membros investirem mais em Defesa. É uma consequência trágica mas incontornável. Isso significa, para já, para os membros da NATO, que convirjam para aquele objetivo de ter dois por cento do PIB investido em esforço de Defesa. Há uma parte desse esforço financeiro que pode ser desenvolvido a nível comunitário, em particular o investimento em investigação relacionada com as indústrias de Defesa. Já existe e será reforçado. Mas o essencial do que estamos a falar é de um esforço financeiro que vai caber ao orçamento de cada país - e a Alemanha aliás já anunciou um aumento histórico e muito significativo. Estará o eleitorado preparado para isso? Ninguém estava preparado para isto. Mas a realidade das coisas impõe-se e creio que as pessoas compreendem que está colocado um desafio vital de segurança para a UE. O imperialismo russo de que estamos a falar não é apenas uma ameaça para a Ucrânia. É uma ameaça para outros países da região não pertencentes à NATO, desde logo para a Moldova, mas é também uma ameaça para outros países que têm um contingente de população russa significativo, para os países bálticos e até para países da UE que pelo simples facto de manifestarem a vontade de aderir à NATO, como a Suécia ou a Finlândia, são objeto de ameaças militares por parte da Rússia. Temos uma realidade que não podemos ignorar e que temos de enfrentar com realismo.

Vamos imaginar que não existia esta guerra. A Ucrânia estaria em condições de aderir à UE ou o que condições internas faltariam reunir para poder aderir?
Os processos de adesão são complexos, não por causa da burocracia mas por causa dos requisitos políticos e económicos que é preciso preencher. O que o Tratado de Lisboa diz é que um país para aderir à UE precisa de respeitar os valores da UE.

E a Ucrânia respeita?
Este respeito pelos "valores europeus" é depois declinado em questões como o funcionamento da democracia, o Estado de Direito, o combate à corrupção, e depois também existem as questões económicas que preparam um país para pertencer ao Mercado Único Europeu. No caso da Ucrânia, certamente que as garantias no campo político não estavam ainda preenchidas. Teremos agora que ponderar este pedido à luz da avaliação que a Comissão Europeia irá fazer. Mas queria deixar claro que a chave para compreender a declaração na cimeira de Versalles sobre a integração da Ucrânia na UE é a declaração que o Presidente Macron fez logo no início, quando disse que não havia condições para atribuir o estatuto de candidato à UE a um país em guerra. Nessa circunstância, estes requisitos sobre o funcionamento das instituições, sobre a separação de poderes, sobre as condições do Estado de Direito ou do funcionamento da economia, simplesmente não podem ser verificados. Isto não significa que o pedido da Ucrânia não seja um pedido inviável. Mas não temos de criar ilusões de que essa adesão está disponível ao virar da esquina. É por isso que a declaração de Versalles sublinha que aquilo que podemos e devemos fazer no imediato é aprofundar a parceria que já existe.

Como político português, defende a ideia de que a Ucrânia deve aderir à NATO ou é contra?
O Presidente Zelensky, com muito realismo, deixou abertura para deixar cair esse pedido de adesão à NATO, no quadro de uma solução negociada de cessar-fogo com a Rússia. Há um requisito que diz que a adesão à NATO supõe a estabilização das fronteiras dos países candidatos e evidentemente que esse é um requisito que a Ucrânia não está em condições de cumprir, depois da anexação da Crimeia e da situação de separatismo no Donbass. Não se trata de ser a favor ou ser contra. O que se passa é que os requisitos objetivos para uma adesão à NATO não estavam nem estão preenchidos pela Ucrânia. Além do mais, a não adesão da Ucrânia à NATO pode contribuir para uma solução negociada com a Rússia, desde que isso implicasse uma contrapartida de segurança na integridade territorial da Ucrânia. Infelizmente não temos razões para estar particularmente otimistas quanto à disponibilidade do sr. Putin para construir soluções razoáveis ao serviço da paz.

 

Entrevista publicada no DN de 14/03/2022.