Francisco não fez segredo: vem a Fátima como peregrino da esperança e da paz. São certamente interessantes os debates sobre as aparições, que afinal foram "visões"; as controvérsias sobre a história centenária do santuário ou as discussões sobre a canonização dos pastorinhos. Tudo isso, porém, é desconversar do propósito anunciado pelo próprio Papa Francisco: recentrar a mensagem de Fátima no tema da paz - essa paz de que o Mundo de hoje tanto precisa.

Tem sido exatamente esse o desígnio deste Papa que veio do outro lado do Mundo: recentrar a mensagem da Igreja. O nome Francisco, aliás, resume exemplarmente todo um programa e a visão de uma Igreja diferente: uma Igreja pobre e atenta aos pobres; uma Igreja em saída, presente nas periferias onde se vivem os mais dolorosos dramas humanos, como em Lampedusa; uma Igreja onde os confessionários não sejam câmaras de tortura e que se assemelhe a um "hospital de campanha", lugar de acolhimento e misericórdia para todos os que carregam as marcas da jornada da vida. Evidentemente, tem ainda muito que andar esta Igreja que o Papa diz anestesiada. Todavia, também é verdade que com este seu pontificado surpreendente, cheio de gestos proféticos, Francisco alcançou já um feito notável: relançou a esperança na renovação da Igreja Católica.

São três os domínios onde mais se fez sentir o movimento renovador lançado pelo Papa Francisco: primeiro, a reforma da Santa Sé, onde afrontou corajosamente interesses instalados e impôs regras de transparência, incluindo na gestão financeira do Vaticano; segundo, a abertura, limitada mas importante, no tratamento de temas fraturantes, como o acesso à comunhão pelos recasados, o acolhimento dos homossexuais, a ordenação sacerdotal de homens casados ou a ordenação de mulheres diaconisas; terceiro, a nova tonalidade introduzida na doutrina social da Igreja, não tanto nas questões da pobreza e da ecologia - onde aprofundou temas já tratados pelos seus antecessores - mas sobretudo na denúncia frontal das desigualdades como problema estrutural desta "economia que mata" e que só pode ser enfrentado através de uma intervenção não assistencialista do Estado, orientada para a redistribuição da riqueza e para a justiça social.

Em todos estes domínios em que o Papa Francisco deu sinais de uma ambição renovadora, teve pela frente uma oposição enérgica que veio do interior da própria Igreja. Uns, disfarçando o incómodo, desvalorizam o movimento de mudança, reduzindo tudo à linguagem colorida de um Papa latino-americano ao qual é preciso dar um certo desconto porque não sabe nada de economia e não quer saber do rigor dos conceitos. Outros, que perderam a paciência, enfrentam-no já em campo aberto, multiplicando pronunciamentos e abaixo-assinados, e chegando ao ponto de promover uma campanha de cartazes contra o Papa nas ruas de Roma. Nunca se viu nada assim, mas também nunca tinha havido um Papa Francisco.

 

Artigo publicado no Jornal de Notícias