A eliminação, dita transitória, dos subsídios de férias e de Natal dos funcionários públicos, dos trabalhadores das empresas públicas e dos pensionistas constitui uma injustiça brutal e intolerável na distribuição dos sacrifícios.

Para além da medida ser discriminatória, violando grosseiramente os princípios da igualdade e da equidade fiscal, é chocante o modo como atinge pessoas com rendimentos muito baixos, implicando reduções de rendimento logo a partir dos 485 euros por mês. E as coisas estão ligadas: a escolha de um universo tão restrito conduziu a uma enorme violência no esforço imposto aos grupos atingidos, em claro desrespeito do princípio da proporcionalidade.

Não têm qualquer fundamento os argumentos do Governo. Foi dito, primeiro, que não teria vantagem para o défice cortar nos salários privados porque eles "não são pagos por dinheiros públicos". Mas é óbvio que, não existindo alternativa, sempre seria possível intervir por via fiscal, como se fez este ano com o subsídio de Natal, garantindo mais equidade.

Foi dito, depois, que não era possível a via fiscal porque o Memorando da "troika" exige que a consolidação seja feita em 2/3 do lado da despesa. O problema deste argumento é ser falso: o Memorando não "exige" que a consolidação seja feita em 2/3 do lado da despesa, limita-se a "constatar" que o programa de medidas negociado em Maio envolvia um esforço feito em 2/3 do lado da despesa, o que é muito diferente. Não está definido nenhum princípio de repartição que tenha de ser respeitado em qualquer pacote futuro de medidas adicionais e, menos ainda, independentemente da natureza estrutural ou temporária dessas medidas.

O que está em causa é uma orientação antiga do PSD. Já na negociação do Orçamento para 2011 o PSD revelou idêntica obsessão por medidas do lado da despesa, em detrimento de medidas fiscais, ainda que mais equitativas. Na altura, entre ultimatos e braços-de-ferro sobre benefícios fiscais, foi essa intransigência do PSD que forçou o Governo minoritário do PS a incluir uma redução de 5% nos salários da função pública visto que, de outro modo, com soluções mais equitativas do lado da receita, esse Orçamento não teria passado. Não é a "troika" mas sim o PSD que determina estas opções.

Argumento muito invocado é o da segurança no emprego. Mas ele não vale para os pensionistas, nem para as empresas públicas e não se aplica aos muitos trabalhadores do Estado com contrato individual de trabalho ou com vínculos precários (como os professores contratados). E mesmo para os que beneficiam de uma segurança reforçada no emprego, não justifica uma tão violenta penalização salarial.

Alegou-se, ainda, que os funcionários públicos ganham, em média, mais do que no privado. Mas os estudos existentes assumem que a comparabilidade é limitada e que tal conclusão não é válida para todas as categorias de funcionários e de vencimentos. Seja como for, qualquer critério de distribuição de sacrifícios em razão não dos rendimentos de cada um mas da natureza do seu empregador ou dos rendimentos médios do sector respectivo só pode conduzir a injustiças inaceitáveis.

Não convence, também, o argumento de que seria preciso "poupar o sector privado", a bem da economia. Além do preconceito ideológico, este argumento envolve um equívoco: o corte proposto não penaliza o Estado em detrimento das empresas, o que faz é penalizar umas famílias em detrimento de outras, prejudicando toda a economia. Menos ainda convence o argumento de que os sacrifícios são para todos: a meia-hora de trabalho adicional no sector privado não tem uma penosidade comparável ao corte nos rendimentos do sector público.

O Governo apresentou muitos argumentos, é certo. Mas em nenhum conseguiu apresentar uma boa razão. Pode compreender-se: o facto é que este Orçamento configura uma injustiça brutal. E contra factos não podia haver bons argumentos.

 

Artigo publicado no Diário Económico