É absolutamente escandalosa a forma pouco transparente e pouco verdadeira como o Governo tem lidado com a eliminação, dita temporária, dos subsídios de férias e de Natal dos funcionários públicos e dos pensionistas.

E sendo este um assunto tão sério para a vida de muita gente, só agrava as coisas que o primeiro-ministro e o ministro das Finanças andem por aí a inventar explicações esfarrapadas, tratando os portugueses como se fossem tolos.

A eliminação dos subsídios - convém lembrá-lo - é uma medida da responsabilidade do Governo PSD/CDS, que não consta do Memorando que o Governo anterior negociou com a ‘troika'. Trata-se, pois, de uma medida de austeridade "além da ‘troika'", gravemente recessiva e manifestamente injusta, porque viola princípios elementares de equidade na distribuição dos sacrifícios.

Quando anunciou esta medida o Governo apresentou-a como "transitória". E se é certo que houve referências à sua aplicação durante "a vigência do programa de assistência financeira", também é certo que sempre que foi chamado a especificar o respectivo calendário o Governo disse sempre que a medida era para vigorar apenas em 2012 e 2013. Em qualquer caso, seja na versão - pelos vistos enganada - do ministro das Finanças e de vários outros membros do Governo (que se referiram apenas a 2012 e 2013), seja na versão do Relatório do Orçamento (que associa a duração da medida à vigência do Programa de Assistência Financeira, até Junho de 2014), esta seria sempre uma medida com horizonte temporal definido.

Acontece que aquilo que o primeiro-ministro veio agora dizer não é uma coisa nem outra. O que ele disse, em primeiro lugar, é que a suspensão dos subsídios se aplicará em todo o ano de 2014 (e não apenas até Junho, quando termina a vigência do actual Programa de Assistência Financeira). E acrescentou outra novidade: mesmo a partir de 2015, a reposição dos subsídios acontecerá apenas gradualmente, num horizonte temporal não definido - que poderá ser de vários anos. Como é obvio, isto muda tudo: a suspensão dos subsídios dos funcionários públicos e dos pensionistas deixou de ter um horizonte temporal definido (com mais ou menos "lapsos" na comunicação desse horizonte) para passar a ter uma duração totalmente incerta, mesmo para lá da vigência do Programa de Assistência Financeira.

Tomo nota, como todos, do alegado "lapso" assumido pelo ministro das Finanças, referente à omissão da suspensão dos subsídios no ano de 2014. Mas temos aqui um caso muito mais sério: um primeiro-ministro que se revela, a cada passo, manifestamente relapso com a verdade, numa matéria em que se exigiria que falasse com total franqueza e transparência.

É certo, a recusa em falar verdade sobre este assunto já vem de longe e começou na campanha eleitoral, quando o dr. Passos Coelho garantiu aos portugueses que a hipótese de cortar no 13º mês era um completo "disparate" (o que não o impediu de cortar no 13º mês de todos os portugueses, logo em 2011). Mas a mesma atitude continua agora, com esta história do corte dos subsídios dos funcionários públicos e dos pensionistas, que tinham um horizonte temporal definido e agora passaram a ter um horizonte temporal totalmente incerto. Fosse o problema uma simples questão de lapsos e poria em causa a competência do Governo. Mas, receio bem, o problema é de outra natureza. E o que está em causa é a credibilidade da palavra do primeiro-ministro.

 

Artigo publicado no Diário Económico