Quando as vozes inconfundíveis de Mário Soares e Maria Barroso ecoaram nos claustros monumentais dos Jerónimos, em registos sonoros difundidos no decorrer das belíssimas cerimónias fúnebres em honra daquele que foi, seguramente, a figura maior da história de Portugal do século XX, essas vozes, nítidas e penetrantes como nunca, soaram-me tão familiares que não pude deixar de pensar no enorme privilégio que foi ter tido a oportunidade de conhecer pessoalmente e de conviver de perto com aquelas duas pessoas tão extraordinárias, que marcaram de forma decisiva a nossa vida coletiva.

Recordar ali, exatamente no local onde foi assinado o Tratado de Adesão de Portugal ao projeto de integração europeia, as palavras vitoriosas com que Mário Soares, como primeiro-ministro, celebrou a realidade nova de um Portugal livre e democrático e apontou ao país o caminho do futuro, constituiu a melhor homenagem que podia ter sido prestada ao seu notável legado histórico. Por um lado, porque permitiu sublinhar o impressionante trajeto que Portugal foi capaz de percorrer em poucos anos, da ditadura à Europa, muito graças à coragem, à visão e à liderança de Mário Soares, herói da nossa liberdade e da nossa democracia. Por outro, porque permitiu convocar a memória dos valores e dos ideais pelos quais Mário Soares sempre se bateu e assinalar a sua condição de estadista, político prestigiado aos olhos da Europa e do Mundo e líder capaz de definir uma nova estratégia, um novo rumo e uma nova ambição para fazer de Portugal um país mais desenvolvido e mais justo.

Mas, como tantas vezes na vida de Mário Soares, foram as palavras de Maria Barroso que, no momento da despedida, fizeram a diferença. Mais ainda do que os discursos, também eles notáveis e plenos de emoção, foi sobretudo a voz pausada e doce de Maria Barroso, cheia de serenidade e de ternura, que, com os seus versos de amor naquela hora triste, trouxe aquela cerimónia solene de Estado a mais exata memória desse vibrante hino à vida que foi a fantástica jornada que, por entre provações e triunfos, alegrias e tristezas, Mário Soares e Maria Barroso fizeram em conjunto.

 

Artigo publicado no Jornal de Notícias