Depois de ter conduzido, com o silêncio cúmplice da Igreja, a mais violenta política contra a família e a natalidade de que há memória no Portugal democrático, o Governo de Passos Coelho e Paulo Portas quer agora convencer-nos de que está muito preocupado com a queda brutal no número de nascimentos.

Mas o velho truque da nomeação de um grupo de trabalho já não engana ninguém.

A situação é dramática. O número anual de nascimentos, que tinha aumentado entre 2009 e 2010 de 99 mil para 101 mil, caiu abruptamente nos últimos três anos para menos de 80 mil (96 mil em 2011; 89 mil em 2012 e cerca de 79 mil em 2013). Temos agora, portanto, menos vinte mil nascimentos por ano do que havia em 2010 - uma quebra brutal de 20% desde que a direita chegou ao poder. O problema estrutural não é de agora mas nunca tinha ocorrido uma redução tão rápida e tão abrupta da natalidade. E os primeiros dados de 2014 mostram que a situação continua a agravar-se.

Evidentemente, não é preciso nenhum grupo de trabalho para explicar as razões desta tragédia. A decisão do Governo de aplicar o dobro (!) da austeridade que estava prevista no Memorando inicial da ‘troika' arrastou o País para uma situação inédita de três anos de profunda recessão (-1,3% em 2011, -3,2% em 2012 e -1,4% em 2013) e para níveis de desemprego nunca vistos e muito superiores ao previsto (16,3% e 875 mil desempregados na média anual de 2013). O desemprego juvenil disparou e muitas dezenas de milhares de jovens (em idade fértil) foram simplesmente escorraçados para a emigração, enquanto a imigração decrescia e deixava de compensar as fragilidades nacionais ao nível da natalidade.

Por seu turno, o desequilíbrio introduzido nas relações laborais, incluindo no próprio Estado, agravou a precariedade e a insegurança, promoveu uma forte redução dos salários, fez aumentar os horários de trabalho, forçou a mobilidade geográfica e complicou, por todos os meios, a conciliação entre a vida profissional e a vida familiar. A programação do futuro e o planeamento familiar responsável tornaram-se simplesmente impossíveis para a maior parte dos jovens. Como se não bastasse, as famílias foram sobrecarregadas como nunca com impostos e por toda a espécie de taxas e contribuições, ao mesmo tempo que viam cortadas as prestações sociais e a margem de apoio ainda disponível nos rendimentos familiares. O crédito à habitação tornou-se quase proibitivo e o custo das rendas subiu para valores insuportáveis. Tudo se conjugou contra a família, tudo se conjugou contra a natalidade.

A verdade é que a política do Governo, excedendo em todas as frentes as exigências da ‘troika' e ultrapassando pela direita as próprias pretensões do patronato, foi uma política de pura agressão contra a família e contra a natalidade, que deixará marcas profundas por muitos anos. Não é preciso nenhum grupo de trabalho para nos explicar esta evidência e menos ainda para nos vender a ilusão de que o problema se resolve mantendo o essencial desta política apenas corrigida por meia dúzia de remendos.

Agora que as eleições se aproximam, o Governo parece convencido de que chegou o tempo de toda a propaganda e de todas as encenações. Pelo que se vê, a imaginação não tem limites: aumentaram os impostos mas querem baixá-los; cortaram salários mas pensam subi-los; pararam os investimentos mas juram fazê-los; mandaram os jovens emigrar mas pretendem-nos de volta; atacaram a natalidade mas querem que as famílias tenham mais filhos. Por cada fracasso, uma promessa. Por cada promessa, um grupo de trabalho. Entretanto, é claro, pedem a confiança e o voto dos portugueses. Outra vez. É mesmo a primeira bola a sair do saco.

Artigo publicado no Diário Económico