Com o voto contra da direita, ainda saudosa da austeridade, o Governo socialista e a maioria de esquerda iniciaram esta semana a execução da sua estratégia de desempobrecimento.

A mensagem é clara: não mudou apenas o Governo, mudou a política. E está a escrever-se uma nova página na governação do País.

Contrariando os vaticínios tremendistas de adversários e comentadores, os partidos de esquerda superaram sem dificuldade as suas divergências e entenderam-se rapidamente quanto aos termos da eliminação progressiva da sobretaxa. Resultado: 1,6 milhões de agregados familiares vão pagar menos IRS em 2016, numa redução tanto maior quanto menores forem os seus rendimentos. E só os que ganham mais de 80 mil euros anuais (apenas 12 mil agregados) não terão para já qualquer redução. Quanto ao futuro, o destino da sobretaxa está traçado: acaba mesmo em 2017, muito antes do que pretendia a direita.

A eliminação acelerada da sobretaxa, agora aprovada na especialidade pelos partidos da maioria de esquerda, inscreve-se no prometido virar de página da austeridade, dando expressão à opção política de devolver rendimento às famílias para estimular o crescimento da economia e do emprego. Articula-se, portanto, com as importantes medidas sociais anunciadas por António Costa durante o seu primeiro debate quinzenal como primeiro-ministro: reposição das prestações sociais cortadas pela direita aos mais pobres (Complemento Solidário para Idosos, Rendimento Social de Inserção e abono de família) e descongelamento das pensões. A isto soma-se o já anunciado aumento do salário mínimo e, em breve, a eliminação progressiva da CES e a reversão dos cortes salariais na função pública. Diz a direita, à procura de louros por medidas que nunca tomou: “a esquerda só toma estas medidas porque agora pode tomá-las”. Mas o facto de a direita ter votado contra a eliminação da sobretaxa desmente esta versão e dá razão à resposta que António Costa deu no debate parlamentar desta semana: “estas medidas estão a ser tomadas agora porque o Governo mudou e mudou a política”.

A solução encontrada para a eliminação da sobretaxa traduz, igualmente, um importante sentido de justiça, que contrasta de forma flagrante com a “flat tax” de 3,5% imposta pela direita. Agora, como é justo que aconteça, as famílias de mais baixos rendimentos e da classe média serão mais beneficiadas em relação às de rendimentos mais altos. É a isto que se chama “progressividade fiscal”. E é um facto, deve reconhecer-se, que o acordo estabelecido à esquerda reforçou, com custos marginais, a equidade fiscal da medida. Eis aqui o sinal de um outro importante virar de página: o combate às desigualdades voltou finalmente à agenda governativa.

Finalmente, é preciso dizer que o acordo para a eliminação da sobretaxa traduz um assinalável, e para alguns surpreendente, espírito de compromisso entre os partidos que apoiam o Governo. O que fica agora mais claro é que naqueles casos em que os partidos signatários do acordo estabeleceram um objectivo mas reconheceram divergências na forma de o alcançar não serão questões menores de método ou de ritmo que farão perigar a estabilidade governativa e o projecto político comum das esquerdas.

Tudo visto, o facto é este: o acordo entre o PS e a esquerda parlamentar, que alguns diziam “pouco sólido”, já está a dar frutos. E, curiosamente, até já ultrapassou em longevidade a própria coligação da direita, que se desfez esta semana vítima de lamentável morte súbita.

 

Artigo de opinião publicado no Diário Económico de 18 de dezembro e na sua edição online.