Pronto, está esclarecido: era mesmo mentira. O ministro das Finanças explicou no Parlamento que a decisão de criar o imposto que cortou o equivalente a metade do 13º mês foi uma opção livre do Governo e não o resultado de uma imposição da troika, ao contrário do que tinha sugerido o primeiro-ministro numa das suas recentes entrevistas televisivas.

Como é sabido, quando lhe perguntaram se em vez de lançar um imposto extraordinário (que prejudica as famílias e a economia) o Governo não teria feito melhor em recorrer apenas à receita, também extraordinária, dos fundos de pensões da banca (já que o seu montante é mais do que suficiente para garantir o cumprimento das metas do défice), o primeiro-ministro, para não assumir o erro grosseiro da sua opção precipitada, deitou as culpas para a troika. E explicou: "Se não o tivéssemos feito (o corte no 13º mês) nem sequer nos tinham deixado utilizar os fundos de pensões para pagar o défice". A resposta pretendia afastar a ideia de que havia escolha entre as duas receitas extraordinárias. Percebe-se: se o Governo não tinha margem de escolha (porque a troika, alegadamente, não a permitia), também não podia ser acusado de decidir mal. E assim, de uma assentada, passava igualmente para as costas da troika a responsabilidade pelo absurdo que é taxar os rendimentos das famílias muito acima do necessário.

A desculpa inventada pelo primeiro-ministro até parecia perfeita, útil e agradável. Só tinha um pequeno problema: era falsa. Completamente falsa. Eu próprio tive ocasião de demonstrar aqui, na semana passada, que a explicação do primeiro-ministro não batia certo nem com o que ele disse no Parlamento quando anunciou o corte no 13º mês, logo em 30 de Junho, nem com a cronologia do processo de decisão do Governo. Entretanto, diversas fontes da própria troika, citadas pela comunicação social, vieram também negar, peremptoriamente, a versão do primeiro-ministro. Mas o golpe fatal foi dado pelo desmentido do ministro das Finanças, com aquele jeito que ele tem de demorar o tempo todo de que precisa para escolher as palavras. E a palavra que escolheu foi "opção": houve, de facto, uma "opção" - disse ele - e "a opção foi do Governo". Arrasador.

Sucede que essa opção que o primeiro-ministro não queria assumir foi um erro grave. Na verdade, o ministro das Finanças revelou que, com as receitas extraordinárias, o défice de 2011 ficará "na casa dos 4%" do PIB. Ora, para este resultado a receita esperada com o imposto extraordinário só contribui com 0,5% (Cfr. Quadro II.2.2. do Relatório OE 2012, pág. 26). Sendo assim, é evidente que mesmo sem o imposto sobre o subsídio de Natal a meta do défice não só seria cumprida como ficaria ainda mais de 1% abaixo (!) dos 5,9% previstos no Memorando de Entendimento! Este foi, portanto, um erro grave do Governo, que saiu desnecessariamente muito caro às famílias e à economia portuguesa.

A troika, já se percebeu, tem "as costas largas". Mas não pode aceitar-se esta permanente tentativa do Governo de confundir as suas próprias escolhas com os compromissos assumidos com a troika. A verdade é esta: este absurdo imposto extraordinário sobre o 13º mês não está no Memorando de Entendimento negociado com a troika em Maio, tal como não está lá o aumento do IVA da energia e da restauração para os 23%; nem os aumentos de 25% nos transportes públicos; nem o aumento para o dobro das taxas moderadoras; nem a regra da consolidação orçamental feita em 2/3 do lado da despesa; nem a eliminação dos subsídios de férias e de Natal dos funcionários públicos e dos pensionistas em 2012 e 2013; nem a eliminação do escalão de 12,5% no IRC; nem a proibição dos incentivos fiscais para o projecto de mobilidade eléctrica da Nissan; nem o limite de 8 a 12 dias para as indemnizações por despedimento. Como bem disse o ministro das Finanças - e escolho também as palavras - vai nisto tudo uma "opção". Uma opção do Governo.

 

Artigo publicado no Diário Económico