É perfeitamente compreensível que o Governo procure valorizar as avaliações positivas da “troika” sobre o cumprimento do Programa de Assistência Financeira.

Mas já não é normal esta encenação trimestral de euforia a propósito das avaliações periódicas, sobretudo quando acompanhadas de preocupantes revisões em baixa do crescimento económico e de brutais revisões em alta do desemprego.

A atitude do Governo revela um perigoso equívoco sobre o que significa ter sucesso na execução do Memorando. É que uma coisa são as metas de referência, que é necessário cumprir; outra coisa é o objectivo central que se visa alcançar. A redução do défice é uma meta de referência importante, que tem de ser cumprida. Mas o objectivo fundamental do Programa é outro: o regresso de Portugal aos mercados, em Setembro de 2013.

Acontece que o regresso aos mercados não depende só da redução do défice. Depende, sobretudo, da confiança dos mercados na capacidade de crescimento da economia portuguesa, em termos que permitam gerar a riqueza suficiente para honrar os seus compromissos. É por isso que foi um erro a austeridade "além da troika", precipitadamente decidida quando já se desenhava um abrandamento da economia europeia e assente num conjunto de medidas adicionais fortemente recessivas, em muitos casos comprovadamente desnecessárias. E só não vê quem não quer: uma recessão agravada, para além de ameaçar as metas do défice, é o caminho mais directo para o fracasso no objectivo de conquistar confiança e conseguir o regresso aos mercados no próximo ano. Nestas condições, a euforia do Governo é simplesmente grotesca.

Menos eufórica foi a reacção dos mercados. Decorriam ainda as festividades comemorativas da avaliação da "troika" e já os juros da dívida soberana portuguesa subiam de novo nos mercados financeiros (num movimento apenas acompanhado pelos juros da Grécia), atingindo os 13,8% no prazo a 10 anos e os 16,6% no prazo a 5 anos. A tal ponto que o BCE se viu forçado a intervir mais uma vez no mercado secundário, adquirindo títulos de dívida portuguesa.

É certo, numa altura em que os mercados dão sinais de ter percebido que uma austeridade destrutiva da economia não pode inspirar confiança, seria difícil não reparar que o Ministro das Finanças, em apenas oito meses de Governo, cometeu a proeza de apresentar cinco (!) previsões diferentes para o crescimento da economia portuguesa em 2012. E cada uma pior do que a outra: em Julho previa uma recessão de -1,7%; em Agosto de -1,8%; em Outubro de -2,8%; em Novembro de -3% e agora, em Fevereiro, chegou aos -3,3%. Entre a primeira e última destas previsões a diferença já vai em 1,6 p.p. do PIB (!), ou seja, a recessão deste ano vai ser o dobro da inicialmente prevista pelo ministro das Finanças!

Ao contrário do que pretende o Governo, uma evolução tão negativa ultrapassa em muito os efeitos do abrandamento da economia europeia. O próprio INE explicou que a recessão de -2,7% registada no 4º trimestre de 2011 se ficou a dever não à Procura Externa Líquida, que até aumentou em resultado da "acentuada diminuição das importações", mas sim ao "significativo agravamento do contributo negativo da Procura Interna". Não vai ser fácil o Governo convencer alguém de que a sua austeridade "além da troika" não tem nada a ver com isto.

 

Artigo publicado no Diário Económico