Comecemos por duas citações reveladoras. No dia 21 de Fevereiro de 2011 (apenas 15 dias antes da apresentação do PEC IV), Eduardo Catroga - então porta-voz oficioso do PSD para a economia - deu uma entrevista ao Diário Económico em que se pronunciou sobre a hipótese de Portugal recorrer naquele momento à ajuda externa.

A sua resposta foi absolutamente clara: "Não defendo, nas actuais condições de acesso, o recurso ao FEEF em parceria com o FMI, porque as experiências da Grécia e da Irlanda correram muito mal". Atente-se, também, no testemunho do insuspeito Governador do Banco de Portugal, Carlos Costa, citado no Público do passado Domingo, num trabalho da jornalista Cristina Ferreira. Disse o Governador: "Testemunhei que a Comissão Europeia e o BCE não queriam que Portugal fizesse um pedido de assistência financeira, igual ao grego e ao irlandês, e estavam empenhados na aprovação do PEC IV".

Estas declarações desmentem a versão adulterada da história que tenta vender a ideia de que, ainda antes do PEC IV, o pedido de ajuda externa teria sido teimosamente adiado, contra tudo e contra todos, por obstinação pessoal do primeiro-ministro de então. Em primeiro lugar, apesar da pressão dos mercados, não havia, antes da rejeição do PEC IV, nenhum "clamor nacional" em defesa da ajuda externa: a posição expressa pelo próprio porta-voz oficioso do PSD, no final de Fevereiro de 2011, era contra o pedido de ajuda externa. Por outro lado, é incontestável que a Comissão Europeia e o BCE acompanharam o primeiro-ministro português na sua rejeição do cenário de assistência financeira - e foi por isso que aceitaram declarar por escrito o seu empenhamento no apoio ao PEC IV.

A rejeição do PEC IV, no dia 23 de Março, alterou tudo: precipitou uma crise política; desperdiçou o apoio prometido pelo BCE e provocou a descida abrupta dos ‘ratings', a subida exponencial dos juros e o fechamento definitivo dos mercados - acabando por forçar, muito rapidamente, o pedido de ajuda externa de Portugal, anunciado no dia 6 de Abril. Um dia antes ou um dia depois não teria feito qualquer diferença.

Diz-se que não há provas de que o PEC IV iria resultar. E é verdade: não há, nem pode haver. O que está provado é que um conjunto de forças partidárias optou por rejeitar uma alternativa à ajuda externa, apesar de apoiada formalmente pelas instituições europeias junto dos mercados. E quem toma uma decisão desta gravidade, quem decide arrastar o País para um programa de assistência financeira sem explorar todas as alternativas, assume, inevitavelmente, uma inversão do ónus da prova, porque se constitui na responsabilidade política de provar, com resultados, que o País ficou a ganhar com a troca - e com a ‘troika'.

E um ano depois, de resultados estamos mal. Desde logo, os sacrifícios pedidos aos portugueses excedem em muito o que estava previsto no PEC IV; o ‘rating' da República desceu para "lixo"; a recessão deverá passar dos -3,3% este ano; o desemprego já vai nos 15% e as próprias metas do défice estão ameaçadas pelo efeito da recessão na queda das receitas e no aumento das despesas. Mais: desde o dia em que o dr. Passos Coelho anunciou que o PSD iria votar contra o PEC IV (a 11 de Março de 2011) e o início desta semana (a 3 de Abril), os juros da dívida pública portuguesa no mercado secundário em vez de descer, como se prometia, subiram: a 2 anos, passaram de 6,5% para 10,1%; a cinco anos subiram de 7,9% para 13,9% e a dez anos subiram de 7,6% para 11,7% - e isto apesar da injecção financeira do BCE nos mercados financeiros. A ‘troika', é certo, diz que Portugal está no bom caminho. Ainda bem. Mas também dizia que o bom caminho era o outro.

 

Artigo publicado no Diário Económico