A estratégia de empobrecimento de Passos Coelho, há que reconhecê-lo, foi um sucesso estrondoso. Os números do INE são inequívocos: a governação da direita aumentou a pobreza e agravou as desigualdades. Curiosamente, a melhor razão para correr com este Governo é ter tido êxito precisamente onde seria melhor que tivesse falhado.

Comecemos pelos factos. Segundo os dados do INE, é inequívoco que o risco de pobreza em Portugal, que era de 19,4% em 2004, foi reduzido com os governos socialistas, entre 2005 e 2011, para 17,9%. O que aconteceu nos últimos anos com a governação da direita foi exactamente o contrário: a trajectória de redução da pobreza foi invertida, com o risco de pobreza a aumentar, em apenas dois anos, dos 17,9% de 2011 para 19,5% no final de 2013.

A par deste alastramento da pobreza, verificou-se também um sério agravamento da respectiva intensidade. De facto, a taxa de intensidade da pobreza, que tinha sido reduzida pelos governos socialistas de 26% em 2004 para 24,1% em 2011, disparou em 2013 para uns astronómicos 30,3%. Esta dramática evolução é confirmada pelo indicador de privação material severa, cujo "ponteiro" subiu rapidamente dos 8,3% de 2011 para 10,6% de 2014. E tudo isto com uma particularidade, cada vez mais notória: embora abrangendo todos os grupos etários, o aumento da pobreza atinge de forma particularmente grave as crianças (onde subiu de 21,8% em 2011 para 25,6% em 2013) e as famílias com filhos (onde a pobreza passou dos 20,5% de 2011 para 23% em 2013). Apesar de toda a propaganda, e do silêncio conivente da Igreja, o Governo PSD/CDS confirma-se como um Governo de políticas económicas e sociais violentamente contra a família. A tragédia dos números da natalidade não acontece por acaso.

Os dados mostram também um retrocesso claro no combate às desigualdades, seja qual for o indicador escolhido. A diferença nos rendimentos entre os 10% mais ricos e os 10% mais pobres, que os governos socialistas reduziram de 12,2 vezes em 2004 para 10 vezes em 2011, aumentou agora para 11,1 vezes em 2013.

Estes factos ilustram a realidade de um tremendo retrocesso económico e social. Mas revelam também que o que aqui aconteceu foi uma inversão abrupta de trajectória: a redução da pobreza e das desigualdades, promovida de forma consistente pelas políticas económicas e sociais dos governos socialistas, foi claramente interrompida pelas políticas da direita. E não se diga que todo este retrocesso económico e social foi apenas a consequência inevitável do programa de ajustamento previsto no Memorando da ‘troika' e negociado ainda pelo Governo anterior.

A verdade é outra e bem diferente: o Governo PSD/CDS, por pura cegueira ideológica e fidelidade à doutrina da "austeridade expansionista", escolheu, e aplicou com inexcedível zelo, a sua própria estratégia de empobrecimento. Este Governo acreditava sinceramente nisso, como aliás tratou de explicar, mais do que uma vez, o primeiro-ministro Passos Coelho. E se é certo que o disse, pior o fez: orçamento após orçamento, fez questão de ir "além da troika" e de executar nada menos do que o dobro (!) da austeridade prevista no Memorando inicial. E essa escolha política pagou-se caro, designadamente no agravamento da pobreza e das desigualdades.

É por isso que Passos Coelho se engana, e quer enganar-nos, quando olha para os números da pobreza e das desigualdades como quem olha para os destroços deixados por uma tempestade que já passou. É verdade que estes números são uma catástrofe. Mas o que passou por aqui não foi nenhuma catástrofe natural. O que por aqui passou foi outra coisa: a política de austeridade da direita, que vamos julgar nas próximas eleições.

 

Artigo de opinião publicado no Diário Económico de 6 de fevereiro de 2015 e na sua edição on-line.