Em entrevista ao DN/TSF, Passos Coelho diz que não entende o que já toda a gente entendeu: a única razão pela qual Portugal está em risco de sofrer sanções é porque o Governo que ele liderou falhou as metas do défice em 2015 e não tomou "medidas eficazes" para corresponder às recomendações de Bruxelas. É esse, sem margem para dúvidas, o único e exclusivo fundamento da deliberação da Comissão Europeia que declarou a situação de incumprimento de Portugal e determinou o prosseguimento do processo sancionatório, deliberação depois confirmada pelo Conselho Ecofin e pelos ministros das Finanças do Eurogrupo.

O que está escrito na parte conclusiva da deliberação não permite duas interpretações: "Estas considerações levam à conclusão de que a resposta de Portugal à Recomendação do Conselho de 21 de Junho de 2013 foi insuficiente. Portugal não pôs termo ao seu défice excessivo até 2015. O esforço orçamental envidado fica muito aquém do que foi recomendado pelo Conselho". Não há na deliberação aprovada uma linha que seja sobre o ano de 2016 e muito menos sobre 2017 ou, em geral, sobre a política orçamental do atual Governo. Nada. Perante isto, só por manifesta má-fé se pode continuar a alimentar dúvidas sobre o que está em causa. E o que está em causa é simples: só se discute a possibilidade de sanções porque o Governo de Passos Coelho teve maus resultados.

Ao mesmo tempo que se recusa a entender o óbvio, Passos Coelho tenta semear a confusão com uma tremenda cortina de fumo. Diz ele: "Não é possível dizer que se está a sancionar o passado, mas que não há sanções se houver medidas que corrijam a trajetória deste ano". E insiste: "Não se entende. Ou a análise é sobre o passado e há multas, ou então o problema é a trajetória que está a ser seguida e não se vai invocar o passado". E volta ao refrão: "Não entendo o que se está a passar".

É evidente que Passos Coelho entenderia muito facilmente, se realmente quisesse entender. Como toda a gente sabe, uma coisa é a infração, que se refere necessariamente ao passado e sem a qual não pode haver nenhuma condenação em processo sancionatório, outra coisa é a fixação da medida da pena, em que podem e devem ser consideradas diversas atenuantes, incluindo o comportamento posterior do agente (neste caso, o Estado português) e os seus compromissos. No limite, apesar de verificada a infração, essas atenuantes podem levar a uma sanção meramente simbólica, à suspensão da pena ou mesmo à chamada "sanção zero". E é isto que explica que o incumprimento pelo Governo de Passos Coelho esteja a ser usado como instrumento de pressão sobre a política orçamental do Governo de António Costa.

Sendo assim as coisas, já se vê o que é que, lá no fundo, Passos Coelho jamais quererá entender: é que foi o Governo dele a colocar o país em risco de sofrer sanções, mas pode ser a confiança das instituições europeias no Governo socialista de António Costa a livrar-nos delas.


Artigo publicado no Jornal de Notícias