O discurso de Passos Coelho no comício do Pontal, em que acenou com supostas ameaças à segurança derivadas das recentes alterações à lei de estrangeiros, traduz uma nova e perigosa cedência do ainda líder do maior partido da Oposição à tentação populista, depois do apoio que deu ao discurso xenófobo da candidatura do PSD à Câmara de Loures. Com coisas sérias não se brinca: esta deriva populista deve ser combatida por todos os que prezam a nossa tradição multicultural e a nossa política humanista de integração dos imigrantes.

Na parte em que se referiu às implicações para a segurança das alterações à lei, a ponto de temer pelo que "vai acontecer ao país seguro que temos sido" (!), Passos Coelho alegou que Portugal "deixará de ter condições de expulsar quem possa ter cometido crimes graves contra a sociedade portuguesa". Comecemos, então, por repor a verdade: a nova lei não altera as condições gerais em que um estrangeiro pode ser expulso de Portugal. Por regra, a expulsão continuará a ser possível e nas mesmas condições, incluindo a prática de crimes. A única coisa que se altera são os limites à faculdade de expulsar para um grupo muito restrito de estrangeiros: os que tenham nascido em Portugal, que aqui residam desde crianças ou que tenham a seu cargo filhos menores aqui residentes. Desde a versão original da lei, de 2007, esse grupo restrito de estrangeiros goza de um regime limitativo em matéria de expulsão. O que a nova lei faz, para evitar arbitrariedades, é clarificar as condições em que mesmo esse restrito grupo de estrangeiros pode ser expulso. Assim, em vez de expressões imprecisas como ameaças à "dignidade do Estado" ou prática de "crimes graves" (termos que a Direita tinha introduzido na lei, em 2012), a nova lei clarifica que mesmo esses estrangeiros podem ser expulsos em caso de prática, ou suspeita fundada de prática, de crimes de terrorismo, sabotagem ou ameaça à segurança nacional. Evidentemente, Passos Coelho sabe muito bem que não é por causa destas clarificações legais que Portugal vai deixar de ser "o país seguro que temos sido". Mas sabe também que o sucesso do populismo não depende dos factos, mas sim da manipulação das perceções. E foi isso que fez no Pontal: distorcer grosseiramente a verdade, para manipular as perceções.

A pergunta que muitos fazem é esta: será Passos Coelho capaz, em desespero, de jogar a cartada populista para tentar salvar a sua liderança? Para saber a resposta não é preciso adivinhar o futuro, basta conhecer o passado. Na verdade, sabemos o que Passos Coelho foi capaz de fazer em 2011, só pela ânsia de conquistar o poder: indiferente aos apelos da Comissão Europeia, do Banco Central Europeu e da própria Angela Merkel, não hesitou em provocar uma crise política no auge da crise das dívidas soberanas e forçar Portugal a um evitável pedido de ajuda externa, arrastando o país para os braços da troika. Agora que está em risco a sua própria sobrevivência política, que Passos Coelho seja capaz de jogar a cartada populista pode ser muitas coisas, mas não será uma surpresa.

 

Artigo publicado no Jornal de Notícias