Ao votar contra a Resolução do Parlamento Europeu de condenação da invasão da Ucrânia pela Rússia o PCP escreveu uma das páginas mais negras da sua história. Desalinhados até do seu próprio grupo parlamentar, os dois eurodeputados comunistas portugueses votaram contra um texto tão consensual que recolheu 637 votos a favor, 26 abstenções e apenas 13 votos contra. O PCP colocou-se do lado errado da História, outra vez.

É legítimo que o PCP tenha a sua leitura, ainda que distorcida, dos antecedentes desta invasão e das preocupações da Rússia face ao alargamento da NATO ou que discorde das sanções contra a Rússia e os oligarcas, bem como do apoio militar à Ucrânia. Mas nada disso explica o voto do PCP. Fossem esses os motivos e o PCP, sem ambiguidades, acompanharia o resto do Mundo na condenação clara da agressão russa e circunscreveria a sua discordância à partilha de responsabilidades e à resposta à invasão. Exprimiria essas divergências votando contra na especialidade quando fosse o caso, mas não se excluiria da aprovação de uma Resolução condenatória da invasão russa. Quando muito, poderia valorizar as suas divergências a ponto de se abster na votação final ou, no limite, votar contra o conjunto da Resolução, como fez, mas sem deixar de votar a favor dos parágrafos que cuidavam de condenar a agressão da Rússia. Não foi isso que aconteceu.

De facto, mais revelador ainda do que o voto contra do PCP na votação final foi o modo como votou na especialidade os três primeiros parágrafos que se ocupavam, respetivamente, de condenar a agressão militar russa; de apelar à Rússia para cessar as atividades militares e retirar as suas tropas e de afirmar que a invasão da Ucrânia é uma grave violação do Direito Internacional. Ora, em qualquer destes três parágrafos os eurodeputados do PCP optaram por não votar. Não tiveram a decência de votar a favor, nem a coragem de votar contra ou sequer de se abster. Simplesmente, não votaram! Fica clara, portanto, a verdadeira raiz do problema: o PCP recusa-se a condenar, clara e explicitamente, a invasão da Ucrânia pela Rússia. É isso que resulta, também, das notas de imprensa do PCP, emitidas a 22 e 24 de fevereiro e a 1 de março, repletas de justificações para a invasão e marcadas pelo gritante contraste entre a condenação das “provocações” e do “belicismo” dos EUA, da NATO e da UE e a omissão de qualquer condenação explícita da “intervenção” russa “que se seguiu”.

Que o PCP tenha mantido até tarde demais uma imensa benevolência para com os “desvios” do totalitarismo e do imperialismo soviético, sempre poderá, com idêntica benevolência, levar-se à conta de uma certa solidariedade ideológica. Mas Putin não merece solidariedade nenhuma. Aliás, reagindo às críticas que Putin fez recentemente a Lenine com “grosseira deformação da notável solução (sic) que a União Soviética encontrou para a questão das nacionalidades”, o próprio PCP, numa das suas notas de imprensa, descreve a Rússia atual como um “país capitalista”, dominado pelos “interesses das suas elites e detentores dos seus grupos económicos, com uma conceção de classe oposta à do PCP”. Sucede que isto só torna ainda mais lamentável este novo desencontro do PCP com a História. Afinal, o imperialismo russo já não é o que era, mas o PCP continua a ser o que sempre foi.

 

Artigo publicado no Jornal Expresso de 04.03.2022.