Houvesse um mínimo de escrúpulos na maneira de fazer política e a gravidade da tremenda tragédia de Pedrógão Grande, a par do ambiente de comoção e solidariedade que de imediato se instalou no país, seriam mais do que suficientes para inibir quaisquer tentativas de aproveitamento partidário a propósito de uma catástrofe que levou tantas vidas humanas da forma mais horrorosa. Lamentavelmente, passada uma breve contenção inicial, acumulam-se os sinais de que a Oposição de Direita não consegue resistir à tentação e se prepara para fazer a coisa descambar num espetáculo triste e degradante.

O confrangedor episódio em que Pedro Passos Coelho, com total ligeireza, aparece a falar para as televisões de suicídios que não existiram e, pior, dá logo por adquirido, com uma certeza que não podia ter, que tais (pretensos) suicídios foram motivados por uma "falta de apoio psicológico" (!) por parte dos serviços do Estado (leia-se, "do Governo"), além de nos dizer muito sobre a índole do líder da Oposição, mostra bem o estado de sofreguidão política com que o PSD encara o apuramento dos factos e das responsabilidades numa situação que, por razões óbvias, deveria recomendar rigor e prudência. Como ficou evidente, a pretexto de não deixar que a culpa morra solteira, Passos Coelho quer, à viva força, arranjar-lhe um casamento apressado e de conveniência.

O caminho que se impõe é outro: levantamento rigoroso dos factos, divulgação transparente dos relatórios e nomeação de uma comissão técnica independente para que toda a verdade seja conhecida, a resposta dos serviços seja avaliada e, se for o caso, as responsabilidades sejam apuradas. O que não pode é tirar-se conclusões precipitadas ou assentes em silogismos simplistas, como o que sugeriu também Passos Coelho: "as pessoas morreram numa estrada nacional, logo há responsabilidade objetiva do Estado". Evidentemente, não é assim, nem o caso é comparável à ponte de Entre-os-Rios, uma obra pública que, recorde-se, colapsou por falta de manutenção pelos serviços públicos. No caso do combate a este incêndio, mesmo que tenham ocorrido falhas ou que tenham existido decisões operacionais erradas - como pode sempre acontecer na situação complexa do combate a um grande incêndio e ainda mais no quadro de um fenómeno meteorológico anormal, como um "downburst" - não pode saltar-se daí para a conclusão de que há responsabilidade sem que se estabeleça primeiro, com rigor, se há um nexo de causalidade entre essas falhas e a tragédia da EN 236-1. A sofreguidão, além de politicamente suicidária, não nos ajudará em nada na descoberta da verdade a que temos direito.

 

Artigo publicado no Jornal de Notícias