A decisão do presidente Trump de rasgar unilateralmente o acordo nuclear com o Irão é um erro político grave - porventura dos mais graves da sua presidência - e constitui um perigo sério para a paz. Com este gesto irresponsável, o presidente norte-americano corre o risco de precipitar o relançamento do programa nuclear iraniano que, a muito custo e com grande pragmatismo diplomático, Obama, a União Europeia e outros parceiros internacionais tinham conseguido suspender ainda há poucos anos atrás.

A atitude de Trump não falta apenas à palavra dada ao Irão, é também um gesto desleal para com os aliados dos Estados Unidos que igualmente negociaram e subscreveram o acordo, a começar pela própria União Europeia. Mais uma vez, os Estados Unidos da América, sob a égide de Trump, confirmam-se como um parceiro não fiável e que insiste em rejeitar toda a cooperação multilateral para resolver os problemas globais.

Este estilo diplomático fanfarrão, de quem se acha no direito de falar para o Mundo de cima para baixo, tem-se revelado ótimo a destruir o trabalho dos outros, mas incapaz de construir o que quer que seja. A lista já vai longa: com Trump na Casa Branca, os Estados Unidos já saíram do Acordo de Paris, romperam as negociações do TTIP, desvincularam-se do TPP e, agora, rasgaram o acordo nuclear com o Irão. Entretanto, bombardearam a Síria duas vezes, prometeram guerra em diversos cenários de tensão internacional e ameaçaram de sanções meio mundo, incluindo alguns dos seus mais importantes aliados. Já a lista do que Trump conseguiu com tudo isto não vai além de uns quantos negócios de venda de armas, sobretudo a países árabes, e umas magras cedências da Coreia do Sul em matéria de comércio automóvel.

Mesmo o novo quadro de relacionamento internacional da Coreia do Norte - cuja consistência está por confirmar - deve-se menos à ameaça norte-americana de "fogo e fúria" do que à poderosa influência da China, que o líder norte-coreano teve o cuidado de visitar, em comboio-mistério, muito antes de se encontrar com Trump. De igual modo, o desanuviamento entre as duas Coreias não precisou de esperar pelo impulso de Trump: começou nos Jogos Olímpicos de Inverno e prosseguiu, de forma surpreendente, numa histórica cimeira bilateral que ficou marcada por sonoras promessas de desnuclearização da península. Esvaziada consideravelmente por esta estratégia de antecipação, a cimeira de Trump com Kim Jong-un, agendada para Singapura, parece destinada a constituir o palco perfeito para a encenação da valorização simbólica e do reconhecimento internacional do ditador norte-coreano. Kim Jong-un terá, então, boas razões para sorrir para a fotografia.

 

Artigo publicado no Jornal de Notícias