Sem a mínima noção do ridículo, Donald Trump exibiu em Davos, no Fórum Económico Mundial, todo o esplendor da imensa e desconcertante confusão estratégica que reina na administração norte-americana quanto ao papel dos Estados Unidos na economia global.

Movendo-se com a delicadeza de uma manada de elefantes numa loja de porcelanas, Trump e a sua equipa oscilaram, à vista de toda a gente, entre tudo e o seu contrário. Logo de entrada, pela voz do secretário do Tesouro, Steven Mnuchin, começaram por anunciar uma verdadeira guerra cambial alimentada por um dólar fraco para favorecer as exportações norte-americanas; à saída, pela voz do próprio Trump, já defendiam a estabilidade das divisas e a estratégia de um dólar forte para atrair as reservas mundiais. Nos primeiros dias, e no seguimento das pesadas tarifas aduaneiras impostas por Washington à importação de painéis solares e máquinas de lavar roupa, a Administração Trump reafirmou a sua aposta numa guerra comercial sem quartel, feita de medidas unilaterais protecionistas ("as tropas dos Estados Unidos da América estão agora a chegar às muralhas", resumiu, de forma sugestiva, o secretário do Comércio, Wilbur Ross); antes do encerramento, porém, já Trump se declarava favorável aos acordos de livre comércio - desde, é claro, que sejam "bons para a América".

Tal como fez quando admitiu regressar ao Acordo de Paris na condição de serem introduzidas cláusulas "favoráveis à América", Trump mostrou-se agora disponível para regressar ao acordo comercial Parceria Transpacífica (TPP) se fosse renegociada uma versão com "condições substancialmente melhores para a América" (ainda que, por consequência, piores para os outros). Vale mais do que mil palavras a resposta imediata do Governo do Japão. Depois de saudar, com ironia diplomática, que Donald Trump tenha pela primeira vez reconhecido a importância deste acordo multilateral, Taro Kono, ministro dos Negócios Estrangeiros japonês, foi taxativo: "Não temos intenção de modificar os termos do acordo". Por seu turno, o porta-voz do Governo japonês, Yasutoshi Nishimura, lembrou que "o TPP foi acordado entre 12 países, incluindo os Estados Unidos, no pressuposto de que não seria renegociado". E acrescentou: "a nossa prioridade é promover a entrada em vigor do TPP 11". Por outras palavras, queira Trump ou não queira, o TPP avança mesmo sem os Estados Unidos (está já agendada, para 8 de março, no Chile, a assinatura do acordo pelos restantes 11 países).

O que a resposta do Governo japonês significa é simples e decisivo: o Mundo não pára só porque Donald Trump faz questão de ficar de fora. É certo, Trump foi a Davos dizer que "América primeiro" não quer dizer "América sozinha". Talvez se engane.

 

Artigo publicado no Jornal de Notícias