Seria compreensível que as instituições que formaram a troica se tivessem sentido incomodadas pela confissão pública dos seus pecados feita de forma tão desassombrada por Jean-Claude Juncker, em jeito de assumida autocrítica. O que não é normal é que tenha sido o Governo português a sentir-se atingido, a ponto de sair de imediato em defesa da troica e de dirigir uma crítica aberta às declarações, ditas “infelizes”, do presidente da Comissão Europeia.

Este episódio caricato é muito revelador. No exacto momento em que o presidente da Comissão Europeia reconhece os erros e os excessos da troica, não apenas enquanto modelo desprovido de legitimidade democrática mas também como intervenção atentatória da dignidade dos países intervencionados, é o Governo PSD/CDS que acusa o toque e resolve vir a terreiro em defesa da “sua dama”. Isto mostra duas coisas fundamentais.

Em primeiro lugar, a identificação total do Governo com a política da troica (da qual só divergiu, como sabemos, pela sua obsessão de ir “mais além”, conduzindo à aplicação do dobro da austeridade que estava prevista no Memorando inicial). Todos nos lembramos, aliás, de ouvir o próprio primeiro-ministro, Passos Coelho, a explicar que o programa da troica correspondia ao programa do Governo de centro-direita e os factos posteriores, que infelizmente também todos testemunhámos, encarregaram-se de provar que o que se pretendeu, a pretexto da dívida e do défice, foi cumprir uma estratégia de empobrecimento e uma agenda ideológica frontalmente contra o Estado Social e os serviços públicos.

Em segundo lugar, este inusitado empenho do Governo PSD/CDS em defesa da sua troica mostra – e recorda, para quem pudesse estar esquecido - como a própria intervenção externa, que bem podia ter sido evitada (como evitaram a Espanha e a Itália, com o apoio do BCE), foi de facto pretendida pela direita, que a provocou ao abrir uma irresponsável crise política no auge da crise das dívidas soberanas. Agora que há finalmente quem queira reconhecer o fracasso de toda esta aventura, são os que escolheram e prosseguiram este caminho que se sentem desautorizados.

O que fica provado é que este Governo não serve para defender nem os interesses de Portugal, nem a própria dignidade do povo português. E um Governo que não serve para defender a dignidade do seu povo não serve para nada.

 

Texto publicado na edição online do Acção Socialista