Afinal, o défice de 2011 em vez de ter um desvio colossal para cima vai ter um desvio colossal para baixo. Quem o revelou foi o próprio primeiro-ministro, numa das suas numerosas entrevistas dos últimos dias.

Segundo ele, em vez dos 5,9% exigidos pela troika, Portugal deverá ter, no final do ano, um défice não superior a 4,5%. Provavelmente, menos até do que isso.

A razão principal é conhecida: o Governo acordou com a banca a transferência para o Estado de fundos de pensões, com os correspondentes encargos futuros para a segurança social. Esta operação significa, no imediato, uma entrada nas contas de cerca de 6 mil milhões de euros, a título de receitas extraordinárias: um valor muitíssimo superior ao necessário para cumprir as metas orçamentais.

Porque é que o Governo negociou uma transferência tão superior ao necessário? A resposta parece estar nas contrapartidas anormais que o Governo terá acordado com os bancos e que diferenciam claramente esta operação de todas as outras do mesmo género feitas no passado. Sobre isto o Governo tem ainda muitas explicações para dar.

O que não tem explicação possível é a decisão absurda de cortar 50% no subsídio de Natal deste ano. É preciso recordar que o imposto "sobre o 13º mês" - também ele uma receita extraordinária - foi apresentado pelo primeiro-ministro como uma medida indispensável para cumprir as metas do défice e para a qual não havia alternativa. Está provado que isso não era verdade: bastaria a transferência dos fundos de pensões para cumprir e até ultrapassar a meta do défice!

Sendo desnecessária, a decisão de cortar no 13º mês é mais do que uma decisão absurda: é um monumento impensável ao absurdo político, porque impõe aos portugueses sacrifícios adicionais completamente dispensáveis e porque agrava perigosamente a recessão, num contexto que já é de abrandamento acentuado da economia internacional.

A pergunta que se impõe é esta: se o Governo tinha ao seu dispor a possibilidade de recorrer a este exagero de receitas extraordinárias para cumprir o défice, por que carga de água foi tirar aos trabalhadores e aos pensionistas parte do rendimento que tanto lhes custou a ganhar, prejudicando ainda mais a economia? É claro, não seria fácil ao primeiro-ministro responder com a verdade: "Sou novo nisto, precipitei-me.

Desculpem lá qualquer coisinha". Em vez disso, o primeiro-ministro preferiu tirar da cartola uma explicação criativa, que até aqui se tinha esquecido de dar: afinal, a troika - essa malvada - é que só deixou recorrer aos fundos de pensões da banca na condição de haver também um imposto extraordinário sobre o subsídio de Natal!

Sucede que esta história, novinha em folha, não bate certo. A verdade é que o primeiro-ministro anunciou o corte no 13º mês logo no dia em que apresentou no Parlamento o Programa do Governo, a 30 de Junho. Nessa altura, garantiu até que tinha tomado a decisão de véspera, depois de conhecer os números do INE do 1º trimestre. E não fez nenhuma referência a ter consultado de urgência a troika, nem sobre essa medida, nem sobre quaisquer alternativas. O que disse foi outra coisa: "Tomamos hoje essa medida para que o País não seja sujeito, como foi em anos anteriores, à necessidade de chegar ao fim do ano adoptando medidas extraordinárias (...), e é isso que não acontecerá este ano". Ou seja: o corte no 13º mês não foi uma contrapartida para o recurso aos fundos de pensões, foi, isso sim, a escolha de um Governo que em Junho nem sequer queria recorrer aos fundos de pensões (medida que só foi decidida no final de Agosto, no Documento de Estratégia Orçamental). Por aqui se vê que as duas medidas nunca andaram ligadas. A ligação foi arranjada agora à pressa, para tentar justificar uma decisão precipitada e que se revelou manifestamente absurda. Porque o facto é este: não havia necessidade.

 

Artigo publicado no Diário Económico