Com saudável lucidez e uma boa dose de coragem, o chefe do Estado-Maior do Exército, general Rovisco Duarte, foi esta semana à Assembleia da República assumir que o gravíssimo furto de armamento ocorrido no quartel de Tancos só foi possível devido a "erros inadmissíveis" da exclusiva responsabilidade do comando militar a quem competia assegurar um dispositivo suficiente de vigilância dos paióis onde estavam as armas. Para quem estivesse de boa-fé, nunca terá havido grandes dúvidas sobre isso: é evidente que é estrita obrigação das Forças Armadas, independentemente da falta de videovigilância ou de quaisquer buracos nas vedações, manter um sistema que garanta a segurança das armas que lhes estão confiadas - e também é óbvio que o Exército tem os meios mais do que suficientes para isso.

Como bem se compreende, esta verdade elementar, reconhecida com frontalidade pelo responsável máximo do Exército, é tudo menos conveniente para quem apenas está interessado na jogatana política e em fazer rolar cabeças de ministros. Nota-se, por isso, a desilusão daqueles que tanto se esforçaram nos últimos dias por lançar a opinião pública atrás de pistas falsas, na ânsia de atingir o Governo e o ministro da Defesa. Na impossibilidade de responsabilizar politicamente o ministro por decisões estritamente operacionais tomadas pelos comandos militares para a segurança dos paióis de Tancos, ensaiou-se mesmo, já em desespero, uma ridícula "teoria geral das cativações", que pretendia conseguir, à viva força, demonstrar que a gestão orçamental do Governo estava na origem de um verdadeiro colapso do Estado e era, afinal, a causa de todas as desgraças, do furto de Tancos até à própria tragédia de Pedrógão Grande.

O único problema é que esta teoria inventada à pressa não cola minimamente com a realidade: como explicou o ministro das Finanças, não houve quaisquer cativações na lei de programação militar e houve até um aumento do investimento na proteção civil. A teoria das cativações, portanto, é simplesmente falsa. Mas o ponto fundamental é outro: como resulta claro das explicações dadas pelo chefe do Estado-Maior do Exército, a ânsia de construir um fundamento artificial para a responsabilidade política é inimiga da descoberta da verdade. Sobretudo quando a verdade é inconveniente.

 

Artigo publicado no Jornal de Notícias