A teoria que foi posta a circular nunca passou de um mero exercício especulativo que mal conseguia disfarçar uma sugestão interesseira dirigida ao Comité Central: “Deitem o Governo abaixo e serão recompensados nas próximas eleições”.

Perante os modestos resultados do candidato do PCP nas eleições presidenciais, alguns comentadores, porventura confundindo desejos com a realidade, apressaram-se a vaticinar a dissidência dos comunistas da maioria de esquerda que apoia o Governo. De nada serviu: Jerónimo de Sousa, que anda nisto há muito tempo, não caiu na armadilha.

A teoria que foi posta a circular pretendia levar o PCP a fazer uma leitura estapafúrdia dos resultados eleitorais, como se houvesse neles um sinal de protesto do eleitorado comunista especificamente dirigido contra o apoio do PCP ao actual Governo de esquerda. Porque é que o eleitorado comunista havia de estar descontente com um Governo cujas primeiras medidas foram a reversão das privatizações, o reforço dos apoios sociais e o aumento dos salários dos trabalhadores?

Infelizmente, isso a teoria não explicava. Tal como não se dava ao trabalho de mencionar qualquer incidente ao longo da campanha que pudesse ser interpretado como sinal desse pretenso descontentamento face à posição adoptada pelo PCP perante o Governo do PS. Nada, nenhum facto, nenhum indício. A teoria, em bom rigor, nunca passou de um mero exercício especulativo que mal conseguia disfarçar uma sugestão interesseira dirigida ao Comité Central: “Deitem o Governo abaixo e serão recompensados nas próximas eleições”.

Obviamente, o resultado decepcionante de Edgar Silva não tem nada que ver com a participação do PCP na maioria de esquerda, nem aliás os eleitores tradicionais do Partido Comunista foram engrossar de forma significativa, numa atitude de protesto, as candidaturas presidenciais mais desalinhadas dos partidos da esquerda parlamentar. A verdade é que os tempos são outros. As eleições presidenciais são muito personalizadas e torna-se cada vez mais difícil mobilizar o voto disciplinado dos eleitorados partidários em candidatos a que falta um mínimo de notoriedade. Apesar das qualidades pessoais de Edgar Silva e do enorme esforço do aparelho comunista - que foi capaz de fazer na FIL o maior comício de toda a campanha eleitoral -, seria sempre difícil, mesmo para o PCP, conseguir que uma figura quase desconhecida em termos nacionais pudesse fixar todo o seu eleitorado tradicional. Se Marisa Matias foi capaz de o fazer com o eleitorado do Bloco, foi simplesmente porque desenhou uma campanha presidencial mais eficaz e, sobretudo, porque tirou partido das suas qualidades políticas e da sua muito maior notoriedade. Mas, ao fazê-lo, deu também a melhor prova de que não há nenhum incómodo no eleitorado mais à esquerda com o apoio ao Governo do PS.

Quando os holofotes se viraram para o Comité Central, Jerónimo de Sousa começou por enunciar uma leitura diametralmente oposta dos resultados eleitorais, admitindo mesmo que muitos eleitores do PCP, em lugar de protestarem contra o acordo com o PS tenham, pelo contrário, antecipado o voto útil no candidato da área do PS, Sampaio da Nóvoa. E deitou por terra as esperanças dos que já anteviam uma crise política: o PCP “tem uma só cara e uma só palavra”, disse, referindo-se ao acordo assinado com o PS. E deu até indicações positivas sobre a viabilização do Orçamento para 2016: “O PS tem tido um posicionamento de valorização daquilo que é a contribuição do PCP, não aceitando tudo mas aceitando muita coisa”.

Ao recusar os cantos de sereia que o pretendiam levar ao engano na interpretação dos resultados eleitorais, o PCP revelou sabedoria e deu a resposta merecida aos que já lhe acenavam com miríficas recompensas eleitorais se cedesse à tentação de romper com o apoio ao Governo. O PCP, que não nasceu ontem e já viu muita coisa, percebeu a armadilha: uma ruptura injustificada, abrindo novamente caminho para o regresso da direita ao poder, podia tornar-se um erro fatal.

 

Artigo de opinião publicado no Diário Económico de 29 de janeiro e na sua edição online.