Não me parece que a polémica dos últimos dias sobre a meta do défice faça grande sentido, a não ser, talvez, à luz da contagem decrescente que já está em curso para as eleições do próximo ano. É certo que a meta prevista no Orçamento para 2018 era de 1,1% do PIB e que o Governo, no Programa de Estabilidade ontem apresentado, reviu em baixa essa estimativa para 0,7%. A razão, todavia, é fácil de entender: a meta fixada no Orçamento assentava no pressuposto de que o ponto de partida da execução orçamental deste ano seria um défice de 1,4% no final de 2017. Porém, como toda a gente sabe, esse pressuposto básico não se confirmou: o défice de 2017 acabou por ser substancialmente melhor, ficando nuns extraordinários 0,9%. Ora, mesmo não estando previstas quaisquer medidas adicionais, é muito natural que sendo inferior o ponto de partida, seja também inferior o ponto de chegada.

Há até quem diga - como é o caso do insuspeito economista Ricardo Cabral - que se o Governo se limitar a executar fielmente o Orçamento em vigor o défice no final do ano acabará, provavelmente, por ser inferior a 0,7%, pelo que seria necessário um orçamento retificativo com medidas adicionais de despesa para garantir que não se fica abaixo da nova meta do défice. Esta proposta, vinda de quem vem, é a melhor prova de que o Governo, ao atualizar para 0,7% a meta do défice, não subverteu em nada o Orçamento negociado com os parceiros de Esquerda. Pelo contrário, ter um défice superior a 0,7% é que exigiria um Orçamento retificado, ou seja, um Orçamento diferente daquele que foi negociado à Esquerda.

Por outro lado, é também evidente que se fosse mantida, à viva força, a meta inicial, o défice este ano, em vez de baixar, teria obrigatoriamente de aumentar (!) de 0,9% para 1,1% - o que seria um absurdo e estaria em rota de colisão frontal com os objetivos assumidos pelo Orçamento aprovado. Acresce, ainda, que aumentar o défice, como pretendem algumas vozes à Esquerda, colocaria também Portugal em posição de manifesto incumprimento das regras europeias, que não se limitam a exigir um certo valor nominal do défice, antes impõem, igualmente, um determinado ritmo de redução do défice estrutural, consentâneo com exigentes objetivos de médio prazo e aferido, como não podia deixar de ser, pelo efetivo ponto de partida da execução orçamental.

E, sobretudo, que não se faça confusão: ao contrário da Direita, que foi além da troika na austeridade e falhou todas as metas, o Governo socialista virou a página da austeridade e superou todas as metas - faz uma certa diferença.

 

Artigo publicado no Jornal de Notícias