Desta vez, ninguém ousou dizer que o último Conselho Europeu foi uma cimeira “histórica” – e ainda bem, já basta o que basta. Mas este Conselho não deixou de ser mais um momento de desencontro dos líderes europeus com a História e um puro exercício de publicidade enganosa.

Publicidade enganosa, desde logo, a propósito do tratado aprovado com o pomposo título de "Tratado sobre a Estabilidade, Coordenação e Governação na União Económica e Monetária". Segundo os seus mentores, este seria o instrumento decisivo para dar resposta à crise das dívidas soberanas e para reconquistar a confiança perdida junto dos mercados. Sucede, porém, que ninguém acredita nisso. Sobretudo se ler o Tratado.

Quanto à governação económica, o que lá está é um zero quase absoluto: um compromisso muito genérico de "trabalho em conjunto" para uma política económica que favoreça o crescimento e uma declaração de intenções no sentido de promover, "quando apropriado", a coordenação das principais reformas. Nada mais. Quanto à governação do euro, prevêem-se duas cimeiras anuais (!), de carácter informal, para além das habituais reuniões do Eurogrupo. Obviamente, ninguém acredita que este Tratado minimalista possa representar sequer uma tentativa séria para superar as fragilidades sistémicas da zona euro!

Sobra, é claro, a disciplina orçamental - como sempre, a aposta única da doutrina dominante: regra de ouro (embora não necessariamente consagrada na Consituição); obrigações estritas em caso de défice excessivo ou de ultrapassagem dos limites da dívida pública; intervenção do Tribunal de Justiça da União Europeia (por iniciativa não só da Comissão mas também dos outros Estados) e sanções financeiras em caso de incumprimento. Tudo para começar a vigorar lá para Janeiro de 2013. Em suma, pretende-se reconquistar a confiança dos mercados através de um sistema que é, ele próprio, uma evidente confissão de desconfiança, em que todos na zona euro assumem desconfiar de todos os outros, incluindo da própria Comissão Europeia. Não é provável que dê certo...

É verdade, o Conselho Europeu sabe que há hoje um coro alargado de instituições, analistas e até agências de rating que dizem que a recuperação da confiança não pode assentar na destruição das economias às mãos da actual espiral de austeridade. Qual foi a resposta dos líderes europeus? Trataram de encenar - é esse o termo - uma agenda para o crescimento e o emprego, entre lamentos quanto ao drama do desemprego juvenil. Toda essa encenação esconde uma lamentável escolha política: a decisão de não investir nem mais um euro para enfrentar o problema do crescimento e do emprego! De facto, a única coisa que se fez foi decidir "reorientar" as verbas dos fundos estruturais já previstas e ainda disponíveis. Outro caso de publicidade enganosa.

Indiferente a isto, o Governo insiste no seu alinhamento com a senhora Merkel e, mais uma vez, mostrou-se satisfeito com a resposta europeia à crise. É a sua opção. Mas essa opção envolve uma responsabilidade e trás consigo uma consequência política: é que se falhar, o Governo não poderá invocar como "causa externa" o fracasso da resposta europeia à crise das dívidas soberanas. Porque esse fracasso será também o seu.

 

Artigo publicado no Diário Económico